quinta-feira, 20 de maio de 2010

a ana anda sem certezas, certezas que lhe fazem falta para saber com o que contar e não passar por sustos e desgostos a toda a hora. antes pensava que lhe bastava saber do que não gostava, mas com o tempo aprendeu que até saber do que não gosta é preciso tropeçar nas coisas, não saber se são certas, entender lenta e desconfortavelmente que não e sentir-se parva por se ter metido no caminho delas. anda tão perdida que quando se vai deitar desliga as luzes e adormece cansada de chorar. quando se levanta, come ou os cereais ou o pão-de-ló e arrepende-se de não ter escolhido o outro. à tarde vê pessoas a falarem de problemas psicológicos na televisão e tem medo de sofrer de todos eles. ao fim da tarde decide descer à rua para passear um bocado, penteia-se e lava a cara para não ficar completamente feia. quando desce percebe que afinal não queria ser vista e vai para as ruas mais sós. um senhor com um fato de treino muito velho pede-lhe dinheiro. depois de o ter na mão faz por deslizar uma sugestão que a faz corar e ela foge, mas antes de chegar a casa ainda tem de fugir de mais uns homens de gabardines creme, e quando finalmente sai do elevador entra em casa a correr e mete-se na cama para dormir. adormecer fá-la esquecer o remoinho em que está sempre por dentro. mas às vezes tem pesadelos e acorda mais assustada ainda, e procura braços que nunca lá estão mas que se habituou a imaginar, e nos dias piores chora ainda por se achar tão triste. um dia, não se ousa saber porquê, a ordem cósmica voltou a funcionar e a tendência da vida da ana, que tinha estado retardada, voltou à acção. ela percebeu que não gostava nada disto, e sentiu-se certa no não gostar. mudou de nome, alugou um apartamento num condomínio sem ruas e inventou as certezas de que precisava para não chegar ao fim do dia sem querer repetir tudo outra vez.

1 comentário:

Anónimo disse...

Coitada da Ana. Ele precisa é de amigos, de sair e de se divertir! :D