quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Mishima Yukio escreveu: “uma mulher tem mais perspicácia do que um homem para discernir o que há de chocante no desequilíbrio entre as qualidades de espírito e as qualidades físicas de um homem ”, e eu gostaria de subscrever, se não contasse com uma clara predominância masculina nas minhas referências literárias. Aprendi o amor como os homens o vêem e comecei a confundir as duas coisas, numa forma, talvez, de me ver numa melhor luz por fácil e orgulhosa associação. Aceitava mais facilmente a bondade e a ternura de quem achava bonito, onde o que era bom se lhe parecia mais natural. Convenhamos que não é tão poético tocar cabelo áspero ou fazer corar bochechas plenas de crateras hormonais. Reparos como estes não têm de ser unanimemente feios; mas é na consciência da fealdade deles que não faz sentido o amor. Pensava nesta conclusão e dissipavam-se as minhas próprias suspeitas de vaidade. E, de facto, não andava à procura de corpos impossíveis para neles imaginar pessoas extraordinárias. Acontecia que, para melhor ou pior, o que eu via de bom num homem transparecia-lhe nas feições, fazia-me mais feliz quando lhe olhava a cara (e, para que não tenhamos dúvidas do que falamos, queria-o mais). Tudo o que me agradava era um. Se gostava de alguém sem o conhecer seria por lhe adivinhar, nos traços, qualquer coisa que batia certo. Pelo contrário, quando percebia algo de desagradável nas atitudes, deixava de ter interesse físico. Pensar em trocar carícias com alguém do passado mal-amanhado provoca-me ainda um esgar sucedâneo. Só me apercebi deste padrão depois de ler o japonês, e apesar de não coincidir com o grupo social ao qual pertenço, segundo ele, achei-me coerente e correcta e sem razão para me desviar do que até então tinha feito todo o sentido.

1 comentário:

JSP disse...

"..discernir o que há de chocante no desequilíbrio entre as qualidades de espírito e as qualidades físicas.."

puah. sobretudo ao considerar-se a origem do reparo, alguém cuja morte se pode qualificar, sem problema nenhum, como "epic fail".